Discriminação entre cristãos: preconceito revelado


Discriminação entre cristãos: preconceito revelado

Por: Lucia Marlene Saieviez Fitzthum

Tenho me deparado, ao longo do tempo, com um problema incômodo: o preconceito dentro da igreja cristã, entre diferentes denominações. Não falarei aqui sobre a discriminação e preconceito dentro da mesma organização, mas sim, entre as pessoas que compõem diferentes organizações, igrejas que têm, no nome, o signo de Jesus Cristo, que se apresentam como seguidoras de Jesus.
Eu tenho diversos conhecidos, muitos eu chamo de amigos, que não pertencem à Igreja Adventista, à qual eu pertenço. Quando eu era adolescente, me converti do catolicismo para o protestantismo, e fui batizada, inicialmente, em uma igreja pentecostal. Quando estava nessa igreja, comecei a fazer estudos bíblicos baseados estritamente na Bíblia, e percebi que muitos pontos eram controversos em relação à doutrina da igreja em que eu estava, e questionei ao pastor
sobre os mesmos. Algum tempo depois, fui convidada a me retirar da igreja. Conheci a discriminação interna, por querer antes fazer a vontade de Deus, manifesta na Sua Palavra, e não seguir os ordenamentos humanos, opiniões ou imposições denominacionais. Fiquei sem denominação, e somente alguns anos depois passei a ser membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Conheci o Evangelho a partir do amor de Deus. Na igreja em que conheci a Bíblia era enfatizado o amor de Deus por nós, especialmente por mandar Seu filho Jesus para nos salvar. Aprendi que eu também era aceita por Cristo. Na igreja pentecostal onde me batizei, esse amor era mesclado com o medo, tudo era pecado, a obediência à doutrina tinha base na obediência às palavras do pastor. Se no início de minha conversão aprendi que o amor de Deus me alcançava, após o batismo nessa igreja passei a entender que esse mesmo amor não alcançava a todos, especialmente aqueles que “não tinham a mesma fé”, ou seja, que não eram membros da mesma igreja.
Eu nunca concordei com isso, pois a Palavra de Deus me mostrava que Jesus havia morrido por mim, que apesar de eu não fazer parte do povo escolhido inicialmente, fui aceita como membro da família de Cristo. Seria uma denominação apenas que servia a Deus, que era aceita como sendo da família de Cristo? Me intrigava a palavra de Cristo: “ainda tenho muitas ovelhas em outros rebanhos” (Jo 10:16) e o desejo Dele de reunir em um só povo todos os filhos de Deus que se espalham pelo mundo (Jo 11:52).
Todavia, apesar de o tempo ter passado, deparo-me ainda hoje com situações em que determinada denominação rejeita pessoas por afirmarem sua fé em Deus e na Bíblia Sagrada. Dia desses me entristeci ao saber que um pastor pentecostal proibiu uma jovem de sua igreja de falar com outro jovem, porque esse era adventista do sétimo dia. Professar servir a Deus e rejeitar Seus filhos é tão incoerente que não encaixa no cristianismo. Aí entra o questionamento: a salvação foi estendida a todos? Jesus instituiu uma denominação religiosa? Somos tão arrogantes que queremos nos posicionar acima do próprio Deus, discriminando aqueles que O servem, tenham esses recebido maior ou menor luz a respeito da verdade?
Ao analisar a Bíblia percebi que Deus criou um casal, e desse casal surgiram todos os demais. Dessa maneira, todos fazemos parte da Criação e somos criaturas de Deus. O pecado nos separou de Deus, e Ele instituiu para Si um povo escolhido, que, em Abraão, gerou o povo de Israel. As demais pessoas foram chamadas “gentios”, ou seja, de outras nações e crenças.
A questão envolve conhecer o sistema de adoção criado por Deus para os gentios. Se a lógica de aceitação denominacional fosse verdadeira, ou seja, se somente pessoas de uma determinada denominação pudessem ser salvas, então todos nós estaríamos perdidos, irremediavelmente, pois nenhum de nós pertence diretamente à linhagem de Abraão. A nação de Israel foi aceita como a nação escolhida; os judeus são o povo escolhido por Deus, a partir de Sua aliança com Abraão (Gn 12:1-3). E já nesse momento Deus acolhe outros povos, afirmando que, em Abraão, seriam benditas todas as nações da Terra.
Ao vir a esse mundo, Jesus Cristo não veio para os gentios. Ele mesmo afirma que foi enviado às ovelhas perdidas da casa de Israel (Mt 15:24-26). O convite à salvação foi estendido a todos, tendo em vista que o povo judeu não aceitara o Messias, como se percebe na parábola dos convidados do banquete de casamento (Lc 14:15-24). Os apóstolos de Jesus confirmaram essa aceitação ao serem enviados aos povos em redor de Israel, aos chamados gentios. Gentios são todos os povos que não pertencem, diretamente, à nação de Israel. Gentios são gregos, romanos, eslavos, americanos, brasileiros, e todos os demais povos da Terra. A esses foi dada a ordem divina de ser levado o convite, o Evangelho, e em momento algum Jesus disse que formassem uma denominação específica, mas que “todos os que crerem” deveriam ser batizados e aceitos como família de Deus.
De acordo com a parábola do convite citada em Lucas 14, gentios são comparados a pessoas que eram discriminadas pelos judeus, como “os coxos, os aleijados, os mendigos”. Muitos não entendem, mas estes somos todos nós que um dia aceitamos o convite divino de conhecer a Cristo, o sacrifício na cruz, que passamos a ter fé em Jesus Cristo e cremos na Sua Palavra, descrita na Bíblia Sagrada.
O problema é que entre os cristãos há uma distinção: um é mais coxo, ou mais aleijado, ou mais mendigo, que o outro. Ou pior, a condição de coxo, aleijado e mendigo não é percebida, e então se acham melhores que os demais, como perfeitos “filhos de Deus”, e os outros, mesmo professando fé em Jesus, são considerados inaptos ao Céu, ou mais ainda, inimigos da causa de Deus. Se não pertencem à mesma igreja, então, na visão preconceituosa, não pertencem a Deus, não professam a Cristo.
Ao discriminar nossos irmãos por não pertencerem à mesma denominação, estamos cometendo um ato contra o próprio Cristo, pois Ele a ninguém desprezou. E muitas vezes debateu contra os que assim agiam, como os fariseus, que se achavam melhor que os demais, e Jesus mostrou que eles não estavam nem perto de alcançar a perfeição, ao contrário, estavam cada vez mais distantes de Deus. Por isso, Jesus foi enfático quanto à sua aceitação de pessoas em Sua família: “Qualquer que fizer a vontade de meu Pai, que estão nos céus, este é meu irmão, e irmã e mãe” (Mt 12:50).
Discriminar pessoas por professarem a fé em Deus, considerando uma denominação como “seita”, sem analisar à luz da Palavra de Deus é, no mínimo, ignorância. Mas também é mais sério ainda, pois até mesmo Jesus e Seus discípulos foram discriminados, e sua fé chamada de “seita”. Nesse sentido, vale a pena ver o que Alberto Timm diz a respeito do assunto, na Revista Sinais dos Tempos, maio/junho de 2002, p. 26: “A simples alegação de que determinado grupo de professos cristãos deva ser considerado como sectário não significa muito, pois até mesmo os primeiros cristãos foram considerados pelos judeus como uma “seita” (At 24:14; 28:22). A questão básica não é tanto saber o que os apologetas modernos dizem, de forma preconceituosa, a respeito das “seitas”, mas o que diz a própria Bíblia sobre os ensinos desses grupos religiosos (ver Mt 7:21-23).”
Chamaram Jesus e Seus ensinos de “seita diabólica” quando ele trouxe a Verdade, quando Ele propôs a forma correta de servir e adorar a Deus, guardando os mandamentos do Pai e a Ele obedecendo em tudo. Hoje, aqueles que pregam a Verdade também poderão sofrer essa mesma acusação, e isso fica claro quando certos “pastores” ou pessoas ditas “consagradas” falam contra aqueles que servem a Deus em Espírito e em Verdade, conforme Jesus afirma em João 4: 23: “Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem”.
Convém destacar também que o apóstolo Paulo afirma que fomos chamados em uma só esperança, e Deus é Pai de todos, atuando sobre todos, por meio de todos e em todos (Ef 4:4-6). A fé em Cristo Jesus torna todos da mesma família, judeus e gentios: “Não há nem judeu nem grego, não há nem escravo nem homem livre, não há nem macho nem fêmea; pois todos vós sois um só em união com Cristo Jesus” (Gl 3:28).
Donald McGravan comenta que é muito fácil ser cristão descomprometido com a Verdade. Em seu livro Compreendendo o crescimento da igreja (2001, p. 37), ele afirma: “As pessoas gostam de ser cristãs, sem ter que cruzar barreiras raciais, linguísticas ou socioeconômicas”. Vou mais além, as pessoas gostam de ser cristãs para si mesmas, para sua própria igreja, sem ter que aceitar que Jesus morreu e se propôs a salvar a TODOS os que O aceitarem, independentemente de religião.
Tomemos cuidado ao discriminar aqueles que professam servir a Cristo, seja qual for a sua religião. Nosso compromisso é levar o Evangelho eterno, conduzir pessoas a Cristo, ensinar e incentivar ao conhecimento da Verdade. Jamais, como cristãos, temos o direito de tirar a fé de quem quer que seja, pois a consequência disso é eterna: Disse Jesus: “Mas qualquer que fizer tropeçar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho, e se submergisse na profundeza do mar” (Mt 18:6).
Aos que discriminam seus irmãos gentios, apelo a que busquem a Palavra de Deus, que conheçam a Santa e boa vontade de Deus. Que não deem ouvidos a doutrinas de homens, mas aos mandamentos de Jesus, aos ensinamentos de Cristo. Pregar o amor é melhor que pregar preconceitos e retaliações, pois Deus não faz acepção de pessoas. Podemos estar afastando alguém que seria, para nós, uma bênção e que certamente, para Deus, já faz muita diferença. Opte por ser tal como Cristo, e não como os fariseus, pois estes foram condenados por Jesus pelas suas práticas discriminatórias.
Que Deus seja Louvado!


A autora é revisora de textos, membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia Central de Cascavel. Elaborado em: 22/04/2016.

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